O 25 de Abril de Álvaro Cunhal
O Álvaro Cunhal ainda não morreu. Mas quando esse dia chegar, não vão faltar os hipócritas do costume, com Mário Soares à cabeça, a lembrar o combatente da ditadura. O homem corajoso que abdicou da sua vida em prol dos outros, do “nosso povo”, que sofreu as amarguras da prisão, o sofrimento da tortura e a perseguição da polícia política. E claro, o episódio heróico da fuga da prisão de Peniche.
Tudo isto será verdade, e a luta contra a ditadura só pode ser louvado por todos que nasceram e cresceram em liberdade. É fácil a qualquer pessoa hoje em dia, dizer que se tivesse vivido naquele tempo também teria lutado contra o fascismo. É fácil. Mas lutar contra o Salazar significava arriscar a vida, e a vida dos nossos. Significava viver a fugir, escondido, perseguido. E se apanhado, torturado. E se a tortura nos vencesse, viver com a vergonha de ter traído os camaradas de luta.
Obviamente que falo de cor. Do que ouvi contar, do que li escrito, do que vi na televisão. E penso até, que se peco é por defeito.
Tudo isto para dizer que não me custa reconhecer que o Álvaro Cunhal foi um dos grandes lutadores contra o fascismo. Até porque, sendo um dos dirigentes, obviamente que seria objecto de maior atenção por parte da PIDE.
Mas…porque é que Cunhal lutou contra o fascismo, contra o Salazar ?
Porque queria acabar com a ditadura ? Não.
O que o Cunhal queria era substituir a ditadura do Salazar pela sua. Queria substituir o Presidente do Conselho pelo Camarada Secretário Geral. Queria trocar a ditadura de direita por uma ditadura de esquerda, embora como disse há tempos o Professor José Adelino Maltez na TSF, as ditaduras não são nem de direita nem de esquerda, porque assumem-se como acima de todas as ideologias e partidos, sendo por isso do centro.
Ou alguém tem dúvidas quais eram as intenções do Partido Comunista durante o PREC ? E que terminaram, (que os obrigaram a terminar), no dia 25 de Novembro de 1975 ? Ou porventura, quereria o Álvaro Cunhal instaurar um comunismo diferente em Portugal ? Daqueles que não dói ?
Assim como é no mínimo patético ouvir alguém afirmar que devemos em parte ao Cunhal não termos ido para a Guerra Civil, porque à última hora ele recuou. Não seria antes, que ele nem sequer devia ter tentado tomar o país pela força ? Não seria antes, que ele devia ter sabido viver, como todos os outros, em democracia pluralista e sujeitar-se aos votos livres do povo ? É só uma ideia.
É claro que há muitas pessoas que negam tudo isto, há muitas pessoas que dirão: “Olhe que não, olhe que não.” Mas também há muita gente que acredita na Arca de Noé.
Mas verdadeiramente, a minha maior irritação é quando ouço alguém louvar o Álvaro Cunhal pela sua coerência. Por se ter mantido fiel aos seus princípios ao longo destes anos todos. Como se isso fosse uma virtude, quando nem sequer é original. Agora por exemplo, está em cartaz um filme de outro senhor que também foi coerente até ao fim. Chama-se “A Queda (Der Untergang)” e relata os seus últimos 12 dias de vida.
O Álvaro Cunhal lutou contra a ditadura, mas pelas razões erradas. E isso, nós não podemos louvar.